A
crise do sistema capitalista tem colocado na ordem do dia a questão da
transição ao socialismo. No Brasil, várias teorias têm apontado caminhos
distintos (nem sempre revolucionários) para a classe trabalhadora,
porém, o nosso próprio processo histórico, marcado pela dependência
externa e por uma série de transições mal resolvidas, nos dá clara noção
sobre a necessidade de uma ruptura profunda (e ainda inédita) com as
classes dominantes nacionais e internacionais.
Por Diego Grossi*
O elemento forasteiro como fator determinante nas transições
O desenvolvimento histórico brasileiro é marcado por uma série de
rupturas políticas e econômicas limitadas no que concerne às
transformações realizadas, no geral lentas e graduais. Uma
característica em comum é a não participação efetiva das massas e a
consequente falta de conquistas para as mesmas.
Nestes momentos de extrema contradição entre o velho e o novo as
elites conseguem garantir os seus interesses, permitindo apenas que
mudanças historicamente inevitáveis aconteçam e mantendo sua hegemonia
de classe num processo lento de modernizações (inclusive de si mesmas).
Estas rupturas, em que os melhores exemplos são a construção de um
Estado politicamente independente (cujo auge se dá no rompimento com
Portugal em 1822) e a instituição da república burguesa em 1889/1891,
encaixam-se no que Gramsci classificou como “revolução-restauração” ou
“revolução passiva” quando analisou a história italiana. Sendo
importante notar que esse problema não é uma exclusividade brasileira e
muito menos fruto da apatia ou da cordialidade do nosso povo, como prega
o senso comum.
Aparentemente fruto da ignorância, essas distorções cumprem uma
função conservadora, fazendo com que as massas aceitem para si o papel
de espectadoras, prejudicando a construção da própria consciência de
classe dos trabalhadores. É um “fantasma” que deve ser devidamente
exorcizado pelo método científico de análise histórica.
Ao observarmos os processos de transição nacionais percebemos que a
causa do caráter conservador destes está na infiltração de interesses
estrangeiros, conseqüência do papel auxiliar e dependente desempenhado
pelo Brasil após a conquista portuguesa. Esses interesses alienígenas
apresentam-se até mesmo como elementos importantes e causadores das
rupturas, que acabam culminando pela combinação de uma série de
contradições internas e externas.
A presença do elemento forasteiro age como o “fiel da balança” nos
momentos de aguçamento político, seja para brecar ou para alavancar
determinadas transformações, mas sem nunca romper com os interesses
próprios e de seus aliados internos da classe dominante.
O desenvolvimento desigual e combinado entre o Brasil e o “centro” do mundo
Uma das grandes contribuições de Lênin às ciências sociais foi
analisar e compreender o desenvolvimento desigual do capitalismo entre
as nações. Trotsky (apesar de todos os problemas conhecidos por todos)
vai além e sistematiza algumas características do desenvolvimento
histórico dos povos, não apenas como desigual, mas também como
combinado.
No Brasil diversos autores buscaram compreender o papel do elemento
estrangeiro no processo histórico nacional (tanto no geral quanto em
momentos específicos), como Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré,
Florestan Fernandes, Theotônio dos Santos, etc.
Caio Prado Júnior, através do que chamou de “Sentido da Colonização”, foi o primeiro autor de destaque a generalizar o desenvolvimento histórico brasileiro como subserviente aos interesses externos, mas foi na chamada “Teoria da Dependência” que, através de autores como Theotônio dos Santos, a análise dessa relação atingiu uma formulação mais madura.
Na justa compreensão da relação de dependência entre o Brasil e os centros econômicos mundiais está a chave para o entendimento das insuficiências nas rupturas de nossa história.
Caio Prado Júnior, através do que chamou de “Sentido da Colonização”, foi o primeiro autor de destaque a generalizar o desenvolvimento histórico brasileiro como subserviente aos interesses externos, mas foi na chamada “Teoria da Dependência” que, através de autores como Theotônio dos Santos, a análise dessa relação atingiu uma formulação mais madura.
Na justa compreensão da relação de dependência entre o Brasil e os centros econômicos mundiais está a chave para o entendimento das insuficiências nas rupturas de nossa história.
A origem da dependência
A primeira superestrutura política formada no território onde hoje
existe o Brasil não foi nada mais do que um apêndice do Estado
português. Sua função era garantir a exploração da região para abastecer
a Europa. Esse Estado colonial, montado inicialmente de fora para
dentro, se desenvolveu junto das demais atividades da colônia, também
voltadas para a sustentação da metrópole. Neste processo, surgiu uma
elite latifundiária, responsável por exercer o domínio de classe do
Estado colonial, cumprindo a função de “capataz” da metrópole e
compartilhando com a mesma os ganhos da espoliação colonial, numa
relação nem sempre harmônica.
Esse caráter alienígena da infraestrutura e da superestrutura,
forjado durante os três séculos de exploração colonial, moldou em todos
os aspectos a sociedade brasileira, estabelecendo uma função muito bem
definida no mundo globalizado, possível apenas por causa da discrepância
entre o desenvolvimento das forças produtivas internas e externas.
Graças ao enraizamento desse caráter auxiliar na sociedade colonial e
a continuidade (e por vezes aprofundamento) da desigualdade entre as
nações, o papel do Brasil continuou a ser suplementar aos países mais
desenvolvidos, inclusive após o rompimento entre o Estado brasileiro e a
metrópole portuguesa. Na construção da sociedade burguesa merece
destaque o papel que a Inglaterra jogou, permitindo uma abolição real da
escravidão de forma gradual, paralela à modernização da própria elite
latifundiária (ou pelo menos grande parte desta) e sua adaptação ao
capitalismo global/ imperialismo.
No século 20 o dilema entre uma nação soberana ou dependente
tornou-se mais agudo e as disputas entre aqueles que representavam ambos
os caminhos estiveram no centro das contradições durante os momentos
mais determinantes da república, como na Era Vargas ou no Golpe de 1964.
Até hoje esse problema é presente, principalmente na luta contra o
neoliberalismo. Porém, mesmo com os avanços conquistados através dos
governos Lula e Dilma, tem ficado cada vez mais claro que só o
socialismo poderá dar um fim positivo à questão.
Transição ao socialismo: Reforma ou Revolução?
Uma análise superficial dessas limitações presentes nas transições
brasileiras tem levado até mesmo alguns setores progressistas à
confusão, fazendo renascer no Brasil concepções equivocadas, sugerindo
inclusive a possibilidade de transição passiva ao socialismo, sem
grandes conflitos e até mesmo em aliança com setores da burguesia
nacional (secundarizando ou até mesmo negando a luta de classes).
Um dos autores mais usados na fundamentação dessas concepções é
Gramsci, justamente por causa dos seus (já citados) estudos sobre as
revoluções “passivas”. Entretanto, outros autores clássicos, como Lânin
ou até mesmo o próprio Marx, contribuem para uma análise científica
deste tipo de fenômeno sem dar qualquer margem para interpretações
reformistas.
Na Alemanha também houve um processo de desenvolvimento capitalista originado “de cima pra baixo” que teve eixo nas relações com países mais avançados, como observou Marx (Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel). Estudando a questão, Lênin foi mais fundo e sua análise sobre a chamada “Via Prussiana de Desenvolvimento Capitalista” relacionou muito bem as ligações entre infraestrutura e superestrutura nestas revoluções “feitas pelo alto”.
Na Alemanha também houve um processo de desenvolvimento capitalista originado “de cima pra baixo” que teve eixo nas relações com países mais avançados, como observou Marx (Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel). Estudando a questão, Lênin foi mais fundo e sua análise sobre a chamada “Via Prussiana de Desenvolvimento Capitalista” relacionou muito bem as ligações entre infraestrutura e superestrutura nestas revoluções “feitas pelo alto”.
A existência desse tipo de fenômeno na história europeia jamais
serviu de ferramenta para que estes autores viessem a defender qualquer
forma de transição não revolucionária ao socialismo (o que seria
contraditório com a própria trajetória de lutas do marxismo-leninismo).
Não há motivos para crer que hoje em dia a situação tenha mudado, muito
menos no caso brasileiro.
Aqui, a relação de dependência foi justamente o fator que permitiu a
não radicalização dos processos de ruptura, logo, é impossível pensar em
uma transição passiva, não revolucionária, que ainda rompa com a
subordinação aos interesses estrangeiros. A própria burguesia brasileira
já se mostrou subserviente e os poucos setores desta que ousaram
apontar um rumo diferente foram rapidamente extirpados da cena política.
As lições da história nacional para o socialismo têm sido retiradas
de “cabeça para baixo” por estes setores confusos. A transição ao
socialismo não deve seguir a tradição dos processos anteriores, deve
fazer justamente o contrário, inclusive para poder existir. É uma
herança que o povo brasileiro deve renunciar.
Só será possível realizar uma transição pela via passiva se não
houver mudanças sociais profundas e muito menos o rompimento com o
imperialismo. Se falamos de transição ao socialismo, isso inclui
necessariamente transformações radicais, possíveis apenas pela via
revolucionária.
A crise do capitalismo no final do século 19 e início do século 20
tornou vivo o debate entre reforma ou revolução. Ao entrarmos no século
21 o sistema capitalista apresenta-se novamente em estágio crítico e
essas vias chocam-se outra vez. Cabe a nós encontrarmos a justa solução
destas contradições, assim como fizeram Lênin e os comunistas no século
passado, abrindo caminho para a emancipação do ser humano e a
independência dos povos.
“Assim será o século 21, em seus começos haverá sombras e luzes, mais
sombras do que luzes. Depois o quadro se inverterá e a humanidade
viverá tempos de grandes esperanças”. João Amazonas
Referências
BUONICORE, Augusto. As Transições na História Brasileira. Portal Vermelho, S/D.
CARVALHO, José Reinaldo. Anti-imperialismo é a Essência do Movimento de Solidariedade. Portal Vermelho, 2011.
FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1975.
FERNANDES, Florestan. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol. 5. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.
LÊNIN, Vladmir. El Programa Agrario de La Socialdemocracia En La Primera Revolución Rusa de 1905 – 1907. Moscou, Progreso, 1980.
LÊNIN, Vladmir. Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. São Paulo, Global, 1985.
MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Disponível em: marxists.org/portugues.
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SANTOS, Theotônio dos. A Estrutura da Dependência. American Economic Review, 1970.
SODRÉ, Nelson Werneck. As Razões da Independência. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.
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TROTSKY, Leon. História de la Revolución Rusa. Madrid, Sarpe, 1985.
* Professor de História na rede particular de ensino em Petrópolis – RJ
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