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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A multifacetada problemática da saúde brasileira e os desafios do governo Dilma

Seg, 10/01/11 08h49

O debate em torno da saúde no Brasil principalmente no que tange a gestão é garantia de diversidade de opiniões.

Versou-se bastante durante a semana passada a respeito de quais são as debilidades da saúde brasileira, logo, abrindo também a discussão sobre quais devem ser as prioridades do novo governo, o que é natural em qualquer momento, mas, mais ainda neste, em que no início do governo Dilma é feito o depósito das expectativas de mudanças necessárias a serem concretizadas no próximo período, além da mobilização maciça dos atores sociais e entidades em busca da abertura de diálogo e no estabelecimento de parcerias.

Acredito que partimos do entendimento de que a problemática da saúde brasileira e seus principais elementos de debate são consenso entre usuários, profissionais e gestores. As diferenças residem no impacto no cotidiano dos atores envolvidos, em quem é determinado responsável e na proposta de resolução.

Majoritariamente, há o entendimento de que a origem maior das debilidades se dá na gestão ou por conta da ausência de delimitação de recursos financeiros. Entretanto, penso ser interessante que não restrinjamos a análise a apenas estas duas variáveis, que não são causa e sim efeito, evitando simplificar questões imensamente mais complexas, que levam em conta aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais. O denominador comum entre estes se dá pela relação que estabelecem com o capitalismo e sua lógica; o concatenamento destes determina o pensar, o fazer em saúde, razão inclusive de boa parte da problemática do Sistema Único de Saúde – SUS.

Contextualizando, o inadequado modelo de formação e compreensão do processo saúde doença, a adoção de modelo assistencial perpetuador de lógica medicalizada, a ausência de maiores e efetivos espaços de controle social e participação popular, a presença da pedagogia tradicional nas ações de educação em saúde, a adoção de equivocados modelos de gestão, dentre outros, tem direta relação com o sistema econômico, com o entendimento de qual é o papel do estado nas relações sociais. Se trata portanto de uma questão ideológica que abarca diversas nuances, diversas manifestações, não devendo ser encarada por apenas uma perspectiva, que aliás, muitas vezes maquia o real problema.

Uma vez que a ação de nossa organização tem forte inserção no movimento estudantil, acredito que nesse momento de discutir os instrumentos necessários a uma verdadeira transformação, cabe introduzir o papel da formação em saúde na superação dos problemas dos SUS. Apesar do jovem já trazer consigo impressões, concepções, verdades apreendidas em seu convívio social anterior, a experiência da formação profissional marcada por sua entrada na academia é preponderante para definições.

É na academia que impressões se dissipam ou reforçam-se. O papel do sistema de formação, dos currículos, ementas e docentes não deve jamais ser subestimado e o processo educativo entendido enquanto estéril. Penso que, para que em curto prazo, possamos de fato transformar a realidade do SUS e concretizá-lo há que se, antes de qualquer coisa, investir e discutir a formação.

Afinal, para onde, para que e para quem são formados os profissionais de saúde? Há compromisso de fato, por parte das instituições formadoras com o SUS? De que adianta recursos, claros e eficientes mecanismos de gestão se a concepção a respeito do processo saúde-doença, do modelo econômico, da sociedade, que interferem imperiosamente no modelo assistencial em vigência, é atrasada? Perpetuadora das desigualdades, não empoderadora do indivíduo? Hoje formamos para promover a vida ou para promover lucro? E depois de formados, o que acontece com estes profissionais? Há de verdade compromisso do serviço, das universidades, dos profissionais com a educação permanente?

Para daqui um tempo podermos responder estas perguntas há que se estabelecer ousada atuação do Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação na elaboração de mecanismos diretivos e avaliativos das escolas. Algumas ações já foram pautadas, fato. O estabelecimento das diretrizes curriculares, os programas de estímulo a reorientação da formação como o PRÓ-SAÚDE, os programas de educação para o trabalho como o PET- SAÚDE, a UNASUS. Mas para o impacto esperado, há de ser mais, inclusive porque tem de se levar em conta que grande parte das instituições onde estas ações ocorrem são públicas ou voltadas para profissionais que atuam na atenção básica apenas.

Sabemos que a maioria das matrículas no ensino superior ainda se dá nas privadas e comunitárias e que, apesar da estratégia ser priorizar a atenção primária em saúde no sentido de reorientar o modelo assistencial, há de se investir na formação de pessoal na atenção secundária e terciária. Toda essa discussão deve estar na agenda do movimento estudantil. É interessantíssimo o envolvimento das entidades estudantis, no sentido de apoiar, ajudar a elaborar, e engrossar o coro de pedido de ações que de fato resolvam esta questão. A UNE e a UBES, e agora a ANPG, não podem se ausentar de um debate com tamanha relevância social. Aliás, posições amplas, em defesa do povo brasileiro sempre foram tradições nestas entidades. Nenhuma entidade pode neste momento ‘encastelar-se’ em suas próprias pautas.

Ao ouvir o discurso do ministro Alexandre Padilha, é possível observar que há disposição, compreensão das debilidades, das potencialidades e do campo político a se pautar as mudanças necessárias, se pode até dizer que algumas colocações dão indícios de uma maior radicalidade importante. Falou-se em inovação de mecanismos de gestão, em compromisso com a regulamentação do financiamento do SUS, em ordenação da formação, em submeter a saúde suplementar as necessidades do SUS, em valorização do controle social, de abertura para o debate com a sociedade, de publicização das ações. Sabemos o que implica ‘ser governo’; logo, não cabe apenas aos gestores pautar, cabe também aos movimentos sociais, aos profissionais de saúde, ao povo, em busca de uma cultura avançada de saúde, emancipadora.

Temos ainda um grande caminho a trilhar na consolidação do SUS. Contudo, é importante lembrar que, apesar de ainda com questões pendentes, significou uma verdadeira revolução no modo de fazer e compreender saúde. Nossas atuais limitações são herança dos embates políticos e culturais travados de um processo recente e ainda em andamento. ‘Feridas’ destes embates, como a debilidade de financiamento, ainda existem. Na verdade, as motivações dos embates ainda hoje existem e seus defensores estão enraizados em todos os níveis e espaços do SUS, com grande inserção e presença na saúde suplementar, nas categorias profissionais que a dominavam (e ainda dominam), nas elites.

As mudanças que são de fato importantes não agradarão muitos, exigirá mobilização, pressão. Para tal, há de existir convencimento para garantir compromisso, há que se buscar esclarecer, abrir e ampliar o debate para contar com o apoio popular, de entidades. Os processos de mudança nem sempre são bem aceitos, ainda mais quando outro modo de fazer e pensar esteve e ainda estão tão presente. Nesse sentido, temos a missão de apoiar o que for coerente, ajudar a rechaçar o velho e construir o novo. Nem só gestão, nem só financiamento, nem só formação, nem só APS, nem só alta complexidade. Não vamos nos limitar, há diversidade na discussão, há muito o que transformar.

Jouhanna Menegaz é Enfermeira, mestranda em Enfermagem na Universidade Federal de Santa Catarina e Dirigente nacional da UJS.

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